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O Filho do Fazendeiro

"... a vida é como um sonho. Se eu não chorei
pela perda do que possuía no meu sonho, por que
deveria chorar pela perda do que tinha na vida?"


Arthur Avalon

Na história anterior contada por minha mãe esqueci de dizer, mas acredito que vocês já tenham deduzido que era dessa forma que ela procurava passar os valores da nossa cultura.

Ela me disse que, na vila onde nascera, existia um homem muito bom, chefe de família exemplar, cujo filho, criado com muito carinho, depois da morte de sua esposa passou a ser seu único parente vivo. Cada vez a ligação entre eles ficava mais forte e o pai depositava todas as esperanças de continuidade dos negócios, da família e até de uma velhice tranqüila nesse filho a quem amava tanto.

Um dia o rapaz adoeceu e o pai o levou ao médico do povoado. Depois dos exames de praxe o médico comunicou ao pai que seria melhor levar o filho para a cidade, onde havia um médico famoso, pois ele não possuía os recursos necessários para atender o rapaz.

O pai, que era fazendeiro, prontamente seguiu as instruções. Alugou uma charrete e partiu para a cidade. Ao chegar lá o rapaz deu entrada na clínica, e o pai muito aflito e com lágrimas nos olhos falou para o médico: Doutor, por favor, cure o meu filho.

O médico disse: “Certamente faremos o melhor, mas não devo lhe esconder que o rapaz está em estado crítico”.

O médico e sua equipe trataram o rapaz com muito carinho, ele chamou seus colegas, fizeram uma junta médica e não saíram do lado do rapaz, porém seu estado, após uma breve melhora, começou a piorar.

O pai não arredava o pé de perto do filho cheio de esperança, mas chorando muito. Assim ele permaneceu acordado a noite toda sentado ao lado da cama olhando para o filho e chorando até que o cansaço o venceu e adormeceu durante algum tempo.

Quando acordou, o médico o segurou pelo braço e, tão suave quanto possível, o informou que seu filho tinha feito a passagem.

O homem assentiu com a cabeça e depois de sentar-se quieto por algum tempo, levantou-se e começou a providenciar os preparativos para o funeral.

Quando todas as providências para o funeral do rapaz já tinham sido tomadas, o médico chamou o fazendeiro até à sua sala e em particular lhe perguntou:

“Senhor, alguma coisa em sua conduta me deixa perplexo”. O senhor estava chorando copiosamente antes de seu filho morrer, mas quando foi informado de sua morte, você apenas inclinou a cabeça, ficou um pouco em silêncio e não derramou mais nenhuma lágrima.

O que motivou esta mudança tão brusca?”

O fazendeiro sorriu tristemente e respondeu:

-“Doutor, eu caí no sono por alguns momentos e durante esse curto espaço de tempo, sonhei uma longa história. Eu era um rei e vivia num palácio que era muito bonito. Tinha como esposa uma rainha encantadora e era o pai orgulhoso de oito filhos adoráveis.

Eles cresceram fortes e bonitos, um se tornou oficial do meu exército, o outro músico, o terceiro um grande arqueiro, o quarto um ilustre professor, e assim por diante. Eu era feliz e orgulhoso da minha prole.

Então acordei. Todos os meus oito valiosos filhos e minha bela esposa desapareceram. Quando fui informado da morte de meu filho, senti-me atordoado. Deveria eu chorar pelos meus oito filhos ou por este único? Compreendi que a vida é como um sonho. Se eu não chorei pela perda do que possuía no meu sonho, por que deveria chorar pela perda do que tinha na vida?”

O fazendeiro despediu-se do médico e voltou para a sua vila natal.

Passaram-se os anos e na minha busca pelo autoconhecimento muitas vezes deparei com frases de grandes mestres que na verdade só repetiam o que minha mãe tinha me ensinado na infância.

“Assim como quando o Jiva (ser individual) desperta e vê que somente existe ele e não existe o sono nem os sonhos, de igual modo, quando toma consciência de si vê que não existe Maya nem Sansara, somente ele existe como Paramatma, o Ser Supremo.”

Princípios do Tantra

“A vida é um sonho, um sonho de Ishwara.
Faço parte deste sonho e, quando deixar o sonho,
voltarei a ser o Sonhador.”
Krshna