Nasci em uma família de tradição Shakta. Nesta tradição damos muito valor à mulher: mulher esposa, mulher mãe, mulher amiga, mulher companheira.
A figura da mulher para nós representa a Mãe, aquela que tudo dá e nada pede, nas palavras de meu pai. Ela é a encarregada, desde nossa infância, de nos passar os valores morais, a religião e os usos e costumes da nossa terra. Normalmente fazem isso contando-nos historinhas que levamos vida afora e, às vezes, somente depois de muitos anos nos damos conta da importância e dos valores embutidos nessas histórias, como a que agora vou contar a vocês.
Minha mãe me contou que algum tempo atrás morava em nossa cidade um mestre muito conhecido que tinha diversos shelas (discípulos). Um belo dia o mestre tinha acabado de fazer as suas práticas matinais, quando se acercou dele um jovem discípulo que se chamava Vajra e perguntou o seguinte: “Mestre é verdade que existe Svarga Loka?”
O mestre respondeu: “Vajra, você precisa realmente saber disso?”
Vajra ansiosamente respondeu: “Sim, Mestre.”
Então o mestre disse: “Ramachandra, meu primeiro discípulo se encontra lá.” Fechou os olhos e voltou às suas práticas.
Vajra sabia que o mestre iria demorar muito e resolveu se dirigir a outros discípulos mais antigos para tentar descobrir onde morava Ramachandra. Perguntou a um e a outro até que finalmente falou com um discípulo muito antigo do mestre que lhe disse:
“Sei onde ele mora, embora nunca tenha estado lá, então descreveu o caminho para Vajra e disse a ele que ficava um pouco longe dali de onde estavam. Vajra não se importou muito com a distância tal era a sua vontade de encontrar a casa de Ramachandra.
No outro dia pela manhã, cedinho, Vajra, procurou o mestre e lhe disse que tinha vontade de visitar Ramachandra. O mestre aquiesceu e sem perda de tempo Vajra se pôs a caminho.
Procurou andar o mais rápido possível. Então, o caminho tornou-se mais difícil, cheio de pedras, galhos de árvores com espinhos, subidas longas e íngremes e, com o passar do tempo, cada vez mais, seu andar ficava lento. Parou em uma pequena cidade para reabastecer-se e descansar um pouco, porque dali em diante não encontraria mais nenhuma cidade. Seguiu em frente, atravessou um pequeno rio e finalmente subiu a última colina antes do vale onde encontraria Ramachandra. Lá de cima avistou um bonito vale verde, deu uma parada e olhou em volta para finalmente poder fixar bem em sua mente Svarga Loka.
Achou um lugar bonito com rios que desciam da montanha, árvores, pequenos arbustos floridos, mas nada que já não tivesse visto em outros lugares. Num canto do vale, no sopé da montanha, se encontrava uma casinha: era onde Ramachandra morava. Rumou até lá e se apresentou, dizendo que era discípulo do mesmo mestre de Ramachandra.
Ramachandra conversou longamente com Vajra procurando saber notícias do mestre, do ashram e dos amigos que tinha deixado lá. Depois de ter passado uma semana e Vajra ter recuperado suas forças, ele resolveu deixar o tão sonhado Svarga Loka. Depois de enfrentar o árduo caminho de volta ele se sentou aos pés do mestre e falou:
“Mestre, você disse que Ramachandra estava em Svarga Loka, mas o que verifiquei é que ele se encontra num lugar muito comum.”
O mestre fechou os olhos, observou o silencio e depois respondeu:
“Vajra, se você tivesse sido um pouco mais explícito na sua intenção, no momento de sua partida teria lhe dito a verdade.”
“E qual é a verdade,” perguntou Vajra?
- A verdade é que Ramachandra não está no paraíso, o paraíso é que está em Ramachandra.
Anos mais tarde, quando estive em visita a Mumbai, um amigo me disse que perto do centro existia um mestre muito especial um Jnani, um Maharaj, e que nós não poderíamos deixar de ouvi-lo. Compramos flores e frutas para presentear o mestre como manda a nossa tradição e à tardinha rumamos para sua casa. No caminho encontramos diversos estrangeiros que, como nós, também estavam procurando por ele. Era uma casa humilde de dois pavimentos. Havia alguns carros parados à porta. Subimos a escada, nos acomodamos numa pequena sala. O mestre entrou, sentou, fechou os olhos por alguns instantes e ao abrir perguntou se alguém desejaria fazer alguma pergunta, não sem antes advertir que não fizéssemos perguntas como um ser humano que está centrado em um objeto fenomênico e disse: Recordem-se que não estou falando a entidades individuais, é a consciência falando à consciência sobre ela mesma.
Gostamos muito do mestre e também da maneira, clara, lógica e direta como ele apresentava o conhecimento do Eu. Durante a semana que permanecemos em Mumbai não perdemos nenhum momento de beber esse ensinamento tão precioso de uma fonte tão pura. A clareza de suas colocações mexia conosco, não conseguíamos deixar de prestar atenção e a cada vez que retornávamos parecia que as coisas ficavam mais claras para cada um de nós, e, num desses dias, não pude deixar de lembrar-me de minha mãe com suas histórias quando o mestre falou:
“A visão total é tão clara que o indivíduo não pode mais que rir, até em aparência ser irreverente, quando vê a fantástica superestrutura de superstição e mistério que se há erigido sobre e em torno à simplicidade elementar que é a Verdade”.